Cotidiano e o seguir

             Eu venho caminhando ao rumo de seguir à vida, depois de passar pela perda da minha mãe e cada vez isso se torna mais estranho. Novas nuances surgem, novos obstáculos aparecem e camadas de mim vão saindo e vem cabendo à mim mesma lidar com esse turbilhão e essas faces desconhecidas. Se antes eu pensei que resolvendo as questões burocráticas e passados vários meses a dor iria se dissipar e eu poderia seguir com minha vida e retomar ao que eu era antes, a realidade tem mostrado que nada disso volta a ser como foi um dia. E eu já tinha dito isso antes aqui, inclusive.

                O luto tem um aspecto muito cruel que é a briga e a tristeza que se alojam em você. No começo você é abatido por uma dor descomunal, como numa ferida aberta e com osso estancado. Dói de forma impressionante e tudo ao redor deixa de existir. É um buraco que se abre dentro e fora. O choro é automático, o apetite se perde e a cabeça permanece um eco seco, como se você estivesse em uma grande floresta sem nenhuma vontade de se encontrar. Você passa horas rolando uma tela sem assimilar nada, você vai ao supermercado e não sabe o que comprar e acabando compra tudo, você dirige sem rumo e é um grande esforço voltar para realidade.

            Depois você vai encontrando um conforto na rotina. Voltar à realidade é doloroso, mas te ajuda a voltar para os eixos. É como se você forçasse para voltar à linha. Então as burocracias, que cada vez mais se tornam inúteis, te ajudam a seguir a vida. Cozinhar o que se gosta, ver uma novela que te traz nostalgia, fazer um bolo, arrumar as roupas da pessoa que se foi te dão um alento. E em contrapartida, todos aqueles sonhos grandiosos, que envolviam muito trabalho, outras línguas, viagens, status, salários, perdem o total sentido. Te trazem uma angústia enorme, porque eles se tornam cinzas, sem nenhum valor.

          Passado mais algum tempo, você resolve voltar para os sonhos e para aquela realidade que você vivia antes de perder alguém tão importante. É pesado. Não tem nenhuma leveza. Se antes aqueles sonham eram seu combustível para viver, agora eles não tem nenhum sentido, zero. Se tornam um fardo. E você tenta com todas as forças voltar para essa realidade, coloca os planos no papel, "amanhã acordarei às 7h, vou correr, escrever e trabalhar", mas às 10h você ainda está na cama, segurando o choro e pensando o fardo que é viver essa vida. O curioso é todo esse peso se esvai quando você recebe uma mensagem da sua família ou organiza os planos onde você estará com todos eles.

        O luto é, sobretudo, a perda de sentido. É como se com a passagem natural de uma pessoa, todo o resto do mundo ficasse balançado e fora do lugar. Eu tenho sonhado com tsunamis que entram na minha casa, quebram os vidros, mas eu fico protegida e protego as pessoas que eu amo. Sinto que essa é minha realidade: tudo está se movendo e se mexendo e que eu só me sinto protegida com minha família.

        E mesmo com tudo isso, a minha cabeça agora deixou de me dar descanso e continuamente vem me cobrando imensamente para voltar ao normal, porque não dá mais só para sofrer. Mas não é assim, cabeça! Me deixa em paz, eu estou cansada. Por favor, pare de exigir que eu seja produtiva e coloque a vida na normalidade. Você me deixa mais triste. É confuso. Estou exausta!

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