Quando a (falta de) expectativa é cumprida

 

Jardim da Universidade de Hannover


                Esta é minha última semana na Alemanha e infelizmente (ou felizmente) este país cumpriu com todas as minhas expectativas. Sim, mas preciso dizer que minhas expectativas não eram das melhores e isso foi cumprido com maestria. A realidade é que eu não esperava muito deste semestre Erasmus. É óbvio que o meu interior tinha esperança de que este período fosse pelo menos uns 30% do que foi meu primeiro Erasmus, só que hoje eu tenho 27/28 anos, preciso trabalhar para me sustentar e  estes dois fatores já mudam - e muito - qualquer experiência. 

            Aqui eu preciso de um adendo: o inverno europeu não é tão fácil de lidar quanto eu pensava. Quando eu cheguei em Portugal, em outubro de 2022, foram mais ou menos 45 dias pra essa tão temida estação começar e, quando o inverno deu as caras de fato, em meados de dezembro, eu iniciei um dos períodos mais depressivos da minha fase adulta. Além de trabalhar o dia todo de dentro do meu quarto, eu tinha aulas no período da tarde e tão logo as aulas acabavam, já não havia sol, o clima era hostil e tudo era muito melancólico. Isso durou até fevereiro, período em que o sol se punha mais tarde e a temperatura chegava aos quase 15, 20 graus, o que é muito agradável em comparação ao frio agressivo de dezembro.

                Como quase tudo na nossa juventude é um ledo engano eterno, ao chegar na Alemanha, eu pude perceber o quanto o inverno português era até agradável em comparação a esta parte do continente europeu. Minha primeira parada foi em Sarstedt em outubro de 2023, época em que minhas amigas que estavam em Lisboa ainda frequentavam as tão lindas praias do centro de Portugal, enquanto eu cheguei neste país colocando meus melhores casacos para jogo. Na verdade, eu tive o privilégio de andar somente de moletom nas ruas por cerca de 2 semanas, porque logo na segunda quinzena de outubro eu já era obrigada a sair bem quentinha para frequentar as aulas na Universidade de Hannover.

Ano Novo em Berlim. Foi congelante!


                   Eu preciso esclarecer a minha situação de outubro de 2023: na Alemanha é muito difícil alugar um imóvel, principalmente se você é estrangeiro e precisa ficar por menos de 1 ano. Pois bem, eu vim me aventurar neste semestre junto com meu amado namorado/companheiro e nossas duas gatinhas Dora e Bebel, então já dá pra entender o nível de dificuldade até mesmo para uma locação temporária. Precisamos, então, ficar em um Airbnb por um mês enquanto procurávamos um lugar em Hannover. Assim, a dificuldade de arrumar um imóvel mais a presença de duas gatinhas nos restou tão somente um lugar numa cidade minúscula a 20km de Hannover, onde ficamos por 30 dias. Confesso que o clima bucólico, mais os dias que terminavam mais cedo, a falta de sol, a chuva insistente e quase que diária, a falta de aulas (em outubro eu tive só 2 aulas), o tempo para chegar em Hannover (era 1h de trem saindo de Sarstedt), o que somado ao fato de que eu havia acabado de chegar de um período de 40 dias no Brasil (de um calor escaldante e rodeada de amigos e familiares) fez com o que o início do meu Erasmus fosse pior do que eu pensava.

                Na verdade, eu já não esperava muito deste semestre. O segundo semestre de 2023 em Lisboa foi um dos melhores períodos da minha vida, com muito sol, viagem, vinhos, praias, amigos e eu estava bem certa de que não queria trocar isso por um semestre cheio de frio, chuva,  céu cinza, língua difícil, fora a necessidade de criar novos amigos. Além disso, eu passei o mês de julho tendo aulas de alemão e confesso que foi um fiasco. A minha professora era muito rígida e, mesmo depois de um mês de aulas, eu recebi uma avaliação negativa na conversação, pois pasmem, minha pronúncia era ruim. Pois é.

                Agora escrevendo 6 dias antes de voar de volta para Lisboa, o meu apanhado geral é que a Alemanha foi tudo aquilo que eu esperava: um local muito propício para depressão de inverno, onde é muito difícil criar novos amigos, com pontos turísticos não tão legais - a realidade é que boa parte do que você conhece aqui está ligado à guerra e é bom estar disposto a se sentir mal só de visitar um museu - e fora que a experiência da universidade foi bem estressante e desgastante. E isso não foi só para mim, mas para os meus colegas de outros cursos também.

Prédio principal da Leibniz Universidade de Hannover


                O primeiro ponto que me pegou foram as aulas online. Parte da experiência Erasmus é o contato com a cultura estrangeira, a forma de aprendizado de outro país, que são resultado de trocas em sala de aula. Quanto a isso, eu tive um professor queniano que tirou de letra: nas aulas de Direito Comparado e Desafios Atuais do Direito Internacional, por diversas vezes o Prof. John enfatizava o peso da colonização europeia não só nas populações, mas também no pensamento do direito internacional.  Em uma sala composta majoritariamente por alunos europeus, era interessantíssimo o desconforto provocado. Fora que o Prof. John é fã n. 1 do Paulo Freire e seu método de ensino foi muito inclusivo, aberto ao diálogo. Eu fiquei realmente encantada.

                  Porém, das 8 disciplinas que eu me inscrevi, 4 foram ministradas de forma online. E isso é um fiasco, porque é impossível ter troca, o que somado com o fato dos professores não serem incisivos e não terem quase nenhuma didática (a maioria dos professores internacionais são advogados de destaque em suas áreas, o que compromete muito o ensino), tornou tudo muito tedioso. Eu queria também ter continuado a aprender alemão, mas para o meu nível, a universidade ofereceu somente 30 vagas de aulas presenciais, o que tornou impossível conseguir uma vaga. Daí sobrou o ambiente virtual da Universidade para aprender a língua sozinha, mas come on, aprender alemão online quando eu estou na Alemanha e poderia ter uma troca enorme??? Achei um pouco demais e nem me aprofundei (fora que o trabalho me atropelou, mas isso são outros 500).

                Além disso, uma das questões  recorrentes da universidade era a falta de resposta para tudo. Mas tudo mesmo! Para se ter uma ideia, em duas das aulas online eu sequer recebi o link das aulas. Ninguém da universidade respondia. Foi inevitável me sentir como se nós estudantes internacionais não fossem bem-vindos.

               Mas além de todos estes problemas, vou levar coisas boas daqui. Fiz duas amigas muito legais, conheci quatro países fronteiriços, conheci cinco cidades da Alemanha, fui em três Oktoberfests, inúmeros Christmas Market, revi amigos do Erasmus 2017 e este foi um tempo muito importante para me conhecer. Eu acho que nunca antes havia navegado tão profundamente em mim. Mas isto é tema para outro dia.

Mercado de Natal em Colônia. Os Mercados de Natal são a cura da
depressão no inverno, mas também te levam uns bons euros :-)


                Volto para Lisboa com a sensação de que cumpri tudo aquilo que esperava e espero que o verão que se aproxima quebre este gelo enorme que ficou em mim nestes últimos meses. Sigo ansiosa pelo calor humano e os vinhos portugueses, que já são donos do meu coração.

                

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